educação, maternidade, Matutaí, pais, por Vivian Wrona Vainzof, reflexão

Escolha de mãe

Semana passada, o menino entrou em casa cabisbaixo. Chegou do treino com o aviso de que, sem o equipamento completo, ele não jogaria na próxima vez.

E agora eu olho para a mochila nas minhas mãos. Vi que ele cuidou de separar o uniforme, os meiões, as caneleiras, ele se organizou, mas acabou esquecendo tudo no carro.

Pensei na sua carinha triste, sentado no banco, enquanto o time todo corria atrás da bola. Pensei nos olhos marejados olhando para o chão, o pé cavoucando a grama sintética. Minha garganta apertou. Eu sabia que ele tinha se preocupado, que tinha sido bastante responsável para quem só tem 8 anos. E já que vou mesmo até o clube, não seria trabalhoso para mim levar a mochila e encontrá-lo antes do início da aula. Está no meu caminho, que mal tem? Não é isso o que espero que façam por mim?

É tarefa de um pai ou uma mãe apoiar seus filhos quando eles ainda não têm maturidade suficiente, não é?

Por outro lado, se ele não enfrentar os obstáculos, não vai aprender a superá-los. E eu estava com a matéria do NYT ainda tilintando aqui dentro. Há poucos dias eu lia sobre os pais superprotetores. Se nas últimas décadas eles foram helicópteros, pairando ansiosos sobre seus filhos, monitorando todos os seus passos, influenciando à distância suas decisões e evitando as quedas, hoje se transformaram em “limpa-trilhos”: antecipam os problemas e eliminam as dificuldades do caminho, sem que os filhos sequer deem-se conta dos obstáculos que lá estiveram. Preparam o terreno para um passeio ensolarado livre de turbulências. Além de guiar ao caminho do sucesso, sem as etapas de frustrações, também evitam que oportunidades sejam perdidas.

E entre os dois extremos, aqui estou, olhando para a mochila arrumada, matutando sobre a melhor escolha como mãe.

A reportagem condena os pais superprotetores de roubar o amadurecimento dos filhos. A acusação vai desde casos criminosos, de compra de vagas nas universidades americanas, até os mais corriqueiros, como justificar o atraso na lição de casa ou ligar para professores para discutir notas – e eu não desejo ser réu em qualquer uma dessas situações.

No livro “Teach Your Children Well: Why Values and Coping Skills Matter More Than Grades, Trophies or ‘Fat Envelopes’” (Ensine seus filhos direito: por que valores e técnicas de relacionamento são mais importantes que notas, troféus ou ‘envelopes recheados’), a psicóloga Madeline Levine afirma que “garantir que seu filho tenha o melhor, seja exposto ao melhor ou seja privilegiado, não supõe o quanto isso pode ser prejudicial. O que parece ser vantagem hoje, daqui 18 anos pode revelar-se um grande fracasso”.

“O negócio é preparar a criança para a estrada, em vez de preparar a estrada para o filho”, diz Lythcott-Haims, ex-diretora de novos alunos em Stanford. Intervir pelos filhos não é só levar o lanche que ele esqueceu sobre a pia, mas se aproveitar de conexões com professores, diretores e os próprios amigos dos filhos para estar sempre dois passos na frente. Intervir também é evitar o tédio e reforçar aulas e atividades extracurriculares para que os filhos sejam sempre melhores e não lidem com suas fraquezas.

Pois bem, antes de sair para buscar as crianças na escola, preciso concluir se levo ou não a mochila esquecida. Qualquer que seja a minha decisão, o importante é que parei para pensar nisso. Qualquer que seja a minha escolha, não posso esquecer que crescer e amadurecer é um processo que exige treino e que sem equipamento, não será possível jogar

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Trovoadas do século

Quando demos um celular ao meu filho mais velho, eu não tinha convicção de que era a hora, nem de que a ideia era das melhores que já tivemos como pais. Se por um lado ele já tinha dez anos, por outro lado, ele só tinha dez anos.

Fui ter meu primeiro celular depois dos vinte. Smart fone, só perto dos trinta. Em poucos anos, meu cérebro eletrônico se faz indispensável e, olhando ao redor, estou certa de que a droga do século está na nuvem e o céu está negro.

Estudiosos de renome e pesquisadores muito reputados recomendam adiar o contato das crianças com a tecnologia, prevendo condições tenebrosas. E mesmo assim, é cada vez mais precoce o acesso dos filhos a vídeos, jogos e redes sociais. Há guias, manuais e cartilhas sobre o uso da tecnologia, sugerindo que bebês não assistam conteúdo digital (nem TV) antes dos 2 anos e que jovens só tenham o próprio celular à partir dos 13. Os principais executivos das grandes empresas de tecnologia no Vale do Silício privam seus filhos do acesso às telas por toda a infância e escolhem escolas que privilegiam papel e lápis, quadro negro e mural de avisos até atingirem o Ensino Médio. (NYT via Folha de São Paulo)

Será que é possível seguir toda essa recomendação no nosso tempo?

Tenho inveja de pais que mantém seus limites respeitados. Mas também não posso abrir mão das boas oportunidade que a conversa me dá de refletir e educar.

Negociamos muito antes de eu concordar em ter um filho conectado. Argumentei que os adultos não estão aptos a fazer bom uso da tecnologia e foi ele quem me aliviou: “vocês não tiveram adultos que orientassem e eu tenho”.

Então, quando demos o celular ao meu filho mais velho, fizemos, juntos, nosso acordo de boas práticas: para que serve o celular? Quando é e quando não é oportuno usar? Quais as responsabilidades? O que se ganha e o que se perde com isso? Como encarar os riscos? Quais as consequências?

A conversa não pára. Se o celular fica sempre do lado de fora do quarto, na hora de dormir, o fluxo de aprendizado que essa reflexão desperta, não sai de dentro da gente. Hoje, combinamos de conversar sobre mensagens impróprias que circularam por ali recentemente. Sem alarde, sem mobilização coletiva, estarei de novo presente para acolher e ensinar, para ouvir e ponderar, para descobrir com ele o melhor caminho.

Criança que não sai de casa sozinha, não está preparada para circular desacompanhada pelas ruas virtuais.

O dilúvio é iminente. Eu já escuto as trovoadas. Não podermos poupar os sapatos por medo de desmanchar o penteado.

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A arte de viajar em família

Cheguei de viagem com a família e estou desfazendo as malas de aprendizados que trouxe de lá.

Primeiro guardei os patinetes, que levamos para suavizar as caminhadas. As calçadas sem fim, da cidade que não dorme nunca, foram um tapete macio e as perninhas curtas estiveram mais dispostas nos dias longos.

Depois guardei os chocolates e as balas mais diferentes que encontramos, na contramão da minha resistência ao consumo de açúcar. Se a ideia de viajar é experimentar, não vale só experiências que eu julgar valiosas.

Guardei as mochilas das crianças, que ainda tinham restos de biscoito e um suco. Nós não fizemos incursões gastronômicas, as refeições foram acontecendo pelo caminho e o caminho foi se definindo no passeio. Nesse passo, ter alguma coisa sempre a mão foi um atalho para desviar da fome que faz desandar as férias.

Tirei do bolso o troco do dinheiro que incumbi a cada criança cuidar. A responsabilidade deles era tomar decisões próprias sem extrapolar o que tinham. Achei interessante ver um gastar tudo num brinquedo caro e o outro ir desembolsando aos poucos em coisa miúda. Cada um a seu modo, eles sentiram na pele a importância de escolher e renunciar, de não saber o que virá, de se arrepender e de valorizar o que têm. Também vi generosidade e gratidão dando as caras nessa impagável experiência.

A viagem com filhos tem outro ritmo e outras prioridades. Demoramos uns dias para entender isso e perceber que brincar na praça ou assistir ao voo das borboletas não é perda de tempo, mesmo deixando cartões postais sem visitar. Que comer com calma e alongar as pausas é fundamental.

E quantos museus se pode devorar num mesmo dia, ou numa semana? Aprendi com meus filhos que a visita é mais significativa se ela durar apenas o tempo do prazer. A vida está aí para eles sentirem Matisse, Monet, Portinari e descobrirem como a arte faz desabrochar os sentidos. Eu plantei a semente.

Foi uma viagem solta, sem programação nem compromisso. Andamos, sentamos, olhamos, nos falamos e nos ouvimos. Se não conhecemos todos os museus, descobrimos uns aos outros. Se não visitamos tantos pontos turísticos, pudemos nos revisitar.
Coloquei a mala vazia no armário.

Preferi guardar embaixo do colchão as experiências mais autênticas, que não estão em guia e que ninguém recomendou. Aquelas que são a cara da nossa família e que ninguém nunca mais vivenciará da mesma forma, nem mesmo nós quatro.

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